Crítica de Livro: O Beijo no Asfalto



O Beijo no Asfalto
Nelson Rodrigues – O Maldito Obsceno

Entendo que na vida de um ser humano, poucas coisas, podem ou deveriam ser mais marcantes do que a perda da virgindade. Porém, não limito o meu pensamento apenas ao sentido da consumação erótica ou carnal. A castidade também está ligada à cultura e ao conhecimento intelectual. Entendo que hoje o conceito de inocência perdida está mais complicado do que o próprio fato de ter a primeira relação sexual.

Ao ingressar na faculdade de comunicação, ainda jovem e sem amplas experiências na vida cultural, fui obrigado, por um professor a assistir no Centro Cultural de São Paulo à peça: “Perdoa-me por me Traíres” (obra prima). Ao final percebi que tinha perdido a pureza da vida romântica e idealizada pelos jovens sonhadores.  Saí correndo em busca de informações sobre a obra e descobri o nome de seu autor: Nelson Rodrigues – O Anjo Pornográfico. A partir desse momento virei um fã enlouquecido do autor.

Durante anos, assisti a filmes respeito de suas obras; fui ao teatro ver adaptações e li praticamente todos os seus trabalhos em livros. Nem todos são perfeitos ou espetaculares, mas, todos, sem exceção, merecem uma visita. Mesmo que seja para ganhar desprezo ou ódio cultural.

Até dezembro passado, faltava ler “O Beijo no Asfalto”. Como tinha visto o longa-metragem com Tarcísio Meira e Ney Latorraca anos atrás, e tinha adorado a produção, achei que poderia enfatizar primeiro os outros trabalhos de Nelson Rodrigues para, então, poder resgatar esse livro.
Ao iniciar sua leitura, escrita em 1960, fui ficando angustiado e tenso com sua poesia e vulgaridade. Ao perceber a transformação feita no cinema, reconfirmei o que todos sabem: o livro ou a peça são sempre melhores.  E quem diz isso é um fã incondicional da sétima arte.
“O Beijo no Asfalto”é uma tragédia moderna, com realismo e moralidade. Tolos são os que pensam que nessa obra O Anjo Pornográfico retrata apenas a família de forma cruel, pecadora e trágica. Nelson Rodrigues aqui é ainda mais ousado e bárbaro.  Aqui seu arrojo principal é com a morte, com a falsa moralidade das aparências e os relacionamentos domésticos.

Hélio Pelegrino disse, e eu assino embaixo, que, em “O Beijo no Asfalto” o autor quis mostrar uma inquisição transcendental sobre o enigma da morte.  Concordo ainda com Pelegrino quando ele diz que:“Arandir (homem acusado de homossexualismo por beijar homem na boca), ao beijar o agonizante, beijou a morte na boca”. Particularmente sou fã de projetos artísticos que bulam com essa questão. Raros são os temas que assustam tanto quanto o encontro com um cadáver. Não um encontro superficial ou trash como em filmes de terror B. Digo encontro pessoal, cara a cara. Isso Rodrigues faz como poucos.

É fácil também perceber pitadas freudianas nesse trabalho do autor, assim como a óbvia e sofrida crendice, o terrível preconceito e a trágica e sensual mentira. A relação platônica de ódio entre sogro e genro é outro belo ponto da trama. Nesse assunto,divaguei profundamente na obra entrando em conceitos do mito da caverna. Pode ser que alguém me ache insano por ver mitos gregos em Rodrigues, todavia, penso que a conclusão de “O Beijo no Asfalto”é uma total reflexão do medo do homem de sair de sua linha de conforto moral e social.

Ao concluir a obra, que foi devorada em pouco mais de 60 minutos, fiquei com a certeza de que Nelson Rodrigues é um guerreiro, além de escritor. Ele adentrava em batalhas contra a falsidade, contra o juízo de aparências. E, só por esse motivo, ele já mereceria e continua merecendo nossos aplausos.
Como disse Sábato Magaldi: “A fragilidade torna o indivíduo agente ativo ou vítima passiva desse processo de destruição do ser humano”.  Alguém, no mundo alienado, maníaco e atroz de hoje,é capaz de discordar de tal pensamento?

Fico triste ao dizer isso, mas a verdade é que “O Beijo no Asfalto”funciona apenas como um reflexo do mundo contemporâneo.  Gostemos ou não a verdade absoluta é que devemos pedir perdão se formos traídos. Afinal, quem não é apenas um brasileiro com complexo de vira-lata? Se nem toda mulher normal gosta de apanhar também estou preparado para as vaias, com esse pequeno texto, visto que segundo o escritor pornográfico: “A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”.

 

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